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Há na figura de Pelópidas Silveira um compromisso e é certo dizer que estes, tanto o personagem quanto o termo utilizado para descrevê-lo, são desconhecidos por maior parte dos recifenses; especialmente os recifenses. Nenhuma grande memória ou grande servidor e gestor sobrevive em sua imagem e semelhança, em seu exemplo e idolatria, somente com o nome emprestado a um mal gerido hospital público e a um terrivelmente administrado terminal integrado de passageiros.

Pelópidas nasceu em 1915 no Recife, filho de Sizenando Elysio Silveira e Laura de Souza Silveira e morador do bairro de Casa Amarela, na zona norte da cidade. Em 1946, aos 30 anos, logo após ingressar a carreira de professor universitária no campo da engenharia, foi nomeado interventor municipal, sendo um dos mais jovens a assumir o cargo. Mesmo assim passou pouco tempo n cargo, visto que o interventor estadual, José Domingues, que o indicara, foi acusado de comunista logo após o fim da ditadura de Getúlio Vargas, sendo substituído por Demerval Peixoto, que afastou Pelópidas do cargo máximo de gestão da cidade.

Os seis meses que ocupou foram suficientes para deixar uma imagem forte e contundente para os recifenses. A capital vinha de administradores péssimos, que representavam os interesses da elite, durante a República Velha (1889-1930, período em que os analfabetos, cerca de 80% da população, não poderia votar) e somente respondiam aos interesses dos interventores estaduais, responsáveis pela nomeação dos prefeitos a partir da revolução de 30.

Pelópidas é responsável por construir boa parte da malha de mobilidade atual da cidade. Dele surgiu a Avenida Norte e a Avenida Dantas Barreto, o alargamento da Conde da Boa Vista, a criação da CTTU e pavimentação de ruas e avenidas do subúrbio. Foi um gestor popular a ponto de, pela primeira vez na história da cidade, ir às ruas para conhecer as necessidades do povo, conversar com a população mais pobre, que ainda se faz maioria nos dias atuais. Simples atitudes como tabelar o preço do peixe na Semana Santa e dar férias livres também consagraram sua imagem.

Uma figura política municipal capaz de mudar o cenário político brasileiro

Pelópidas foi o primeiro prefeito do Recife. Em 1955, quando a cidade ganhou sua independência, ele foi eleito com cerca de 80 mil votos contra 40 mil de seus outros três adversários juntos. As audiências públicas para grandes obras foram sacramentadas por Pelópidas, que chamou o povo para governar e construir o Recife junto com ele. A articulação abrangia associação de moradores, que reuniam a mão de obra local, com a prefeitura fornecendo orientação técnica e material, pra realizar serviços para o povo nos finais de semana.

O que se coloca da visão futurista do gestor, no entanto, não foi somente limitado a construção de uma cidade. Pelópidas Silveira era um agregador ‘da poeira ao asfalto’, como diria o ex-governador Agamenon Magalhães. A campanha que o consagrou como prefeito do Recife em 1955 foi o berço da chamada ‘Frente do Recife’, uma coligação formada por PSB, PTB e o Partido Comunista Brasileiro (então na ilegalidade).

“Pois o homem que planejou a cidade e realizou intervenções urbanísticas estruturadoras que perduram até hoje como essenciais e estimulou a organizações de Conselhos e Associações de Moradores e que debateu com o povo os rumos do governo em assembleias no Teatro Santa Isabel em bairros periféricos, foi também um líder político proeminente. Um político maiúsculo”, disse Luciano Siqueira, atual vice-prefeito do Recife, ao se dirigir a Pelópidas Silveira.

Da ‘Frente do Recife’ surgiu a figura de Miguel Arraes, que assumiu a prefeitura logo depois do mandato de Pelópidas, que concorreu a vice-governador com Cid Sampaio e venceu em 1958. Aquela união partidária deu sustentação a Pernambuco até o golpe militar de 1964. Naquele momento, Arraes já era o governador do estado e Pelópidas teria voltado ao cargo de prefeito do Recife. Um dia antes da tomada dos militares, Pelópidas foi preso, sendo liberado no final do mesmo ano, e teve seu mandato cassado.

Após a anistia, em 1979, Pelópidas voltou ao seu cargo na Universidade Federal de Pernambuco, mas fez questão de se afastar da vida política. Rejeitou convites para assumir secretarias de estado e pouco fez força quando se candidatou a cargos parlamentares.

“Foi uma opção dele. Como ele foi vice-governador, ele teve uma relação não muito amistosa com o governador, que era Sid Sampaio. Ele também não se esforçou muito, ele preferiu continuar na prefeitura, onde mais gostava. Ele não disputava posições com os companheiros, isso era muito interessante. Depois da anistia, ele poderia ter voltado para a cena, mas ele atuou como um conselheiro. Ele era chamado no momento de crise para amenizar conflitos”, disse José Arlindo Soares, autor da biografia de Pelópidas Silveira.

Político admirado, pernambucano amado e figura saudosa

Certamente Pernambuco ainda vivia uma época de política pouco desenvolvida quando Pelópidas Silveira apareceu, pela primeira vez, como um gestor municipal. Nas oportunidades seguintes ele conseguiu consolidar sua imagem a frente da população da cidade, transformando-se no primeiro dos políticos mais admirados dentro do estado, mesmo pregando pela simplicidade.

“Li entrevistas, conversei com pessoas. Eu achava que o maior êxito dele em relação a população era a simplicidade. Ele mesmo fiscalizava as obras e o povo via isso. O cotidiano da administração fez com que ele tivesse uma afeição com o povo. Não considero um mito. O mito tem uma auréola. A população tinha afeição a ele, ele nunca alimentava a ideia de idolatria e mito”, disse José Arlindo Soares.

O que se fala de Pelópidas Silveira vai além da figura administrativa, do gestor público. Fora dos palanques, dos palácios e dos gabinetes, o respeito era algo pregado por ele e apresentado a ele, por companheiros de trabalho e principalmente pelos adversários, que reconhecem até hoje, todos eles, a força de seu nome perante o povo.

“Meu pai tinha a visão de que Pelópidas era uma figura extremamente importante nesse Estado. Era um mediador, era ouvido por todos”, disse Marcos Arraes, filho de Miguel Arraes.

 

Pelópidas faleceu no Recife em 2008, aos 93 anos de idade, cheio de sabedoria e com muito a ser dito para inúmeros que o sucederam, seja no governo estadual ou na gerência do Recife.

“Abre-se, assim, uma nova era para o Recife, onde as camadas mais sofredoras  do povo  podem fazer ouvir sua voz, junto aos responsáveis pela coisa pública, de forma organizada e sem prejuízos do sectarismo de partido ou facções”

 

Pelópidas Silveira ao assumir a prefeitura em 1956. 

Entrevista - José Arlindo Soares
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Por Antônio Gabriel Machado

Antônio Gabriel Machado é um estudante de Jornalismo fascinado por esportes, interessado em questões políticas e sociais e amante da gastrônomia.

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